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ROCK E JUVENTUDE
135 milhões de reais, dos quais 100 milhões em
investimentos e 35 milhões com mídia; um impacto na ordem de 880 milhões de
reais na economia da cidade do Rio de Janeiro. Ocupação hoteleira na ordem de
90% durante os cinco dias. 700.000 ingressos vendidos para 300 a 350 mil
pessoas que transitaram na Cidade do Rock no mês de setembro deste ano.
Durante o evento, houve cerca de 240 ocorrências
policiais entre furtos, venda de ingressos falsos, sequestro de armas,
tentativas de invasão e expulsão de pessoas do recinto. Cerca de 10.000
atendimentos médicos nos cinco dias. Cerca de 200 toneladas de lixo foram
recolhidas pela Conlurb. O mau cheiro tomou conta da “cidade do rock” quando o
sistema de esgoto dos banheiros estourou, houve protestos resultando em
quebra-quebra. Os serviços de alimentação foram precários e insuficientes para
as pessoas que apareceram durante os cinco dias de show. Faltou também
organização e preparação. A insegurança, em alguns momentos, tomou conta da
população que ali estava.
Na medida em que o Rock in Rio se sucede, sempre
mais pessoas afluem, o marqueting
aumenta e os problemas são projetados de maneira exorbitante. Este ano os dados
superaram em muito o primeiro Rock in Rio de 1985 que durou 10 dias
apresentando ao público brasileiro bandas novas e ainda desconhecidas. Superou
o de 1985 até na desqualificação do rock como um todo. A maioria das
apresentações deste ano foi de artistas pop, axé, dance etc..., não de bandas
de rock, as quais representaram a minoria. No primeiro Rock in Rio houve a
preocupação dos organizadores em apresentarem um bom e atual rock incluindo
bandas nacionais e internacionais.
O Rock in Rio deste ano mostrou a verdadeira cara do
investimento capitalista. Salas Vip para mais de 2.000 convidados, dois palcos
enormes dividindo os interesses das pessoas. Uma rua com lojas, restaurantes e
bares. Desfiles de moda, shopping. Uma roda gigante, uma tirolesa, um free fall, uma montanha russa. Vale a
pena se perguntar: houve, afinal, espaço para o rock? Um repórter, que dava
cobertura ao festival, disse inconscientemente: “hoje haverá também um pouco de
rock”. O negócio foi tão proveitoso para os bolsos que agora estão querendo
realizar o Rock in Rio a cada dois anos.
Afinal, o rock, que surgiu como movimento de
contestação musical e, sobretudo, social, que representou o desejo de mudanças
de toda uma geração de jovens dos anos de 1960 em diante, hoje está sendo
apropriado pela indústria capitalista que tanto foi contestada no seu
surgimento. O que mudou de lá para cá?
Estou escrevendo olhando e ouvindo pela enésima vez
o show de George Harrison em favor da população do Bangla Desh que estava
morrendo de fome em 1968. Os valores que o rock apresentava se baseavam na
justiça social, no respeito pelo diferente (Ravi Shanka tocando músicas
indianas na sua citar), contra uma sociedade que oprimia os mais pobres, que
explorava os últimos, que estava preocupada somente com seu próprio bolso. A
partir deste show, podemos dizer, vários outros se sucederam em favor das
populações da África morrendo de fome: Biafra, Etiópia etc... Os shows
políticos: em favor de Mandella, pela liberdade da África do Sul; os live AID; contra
o G7 e a política econômica; pelo respeito dos direitos humanos e assim por
diante. Havia, sim, uma preocupação com o outro, com os que mais sofriam.
Georger Harrison, Bob Dylan, Joan Baez, Eric Clapton estavam sempre à frente
destes movimentos, mais tarde Bono do U2 e tantos outros.
Mas o que, a meu ver, deixou a grande marca do
começo do rock foi o festival de música e arte de Woodstock de 1969. As
gerações de hoje dificilmente poderão recuperar esse grande momento da vida no
planeta. Digo isto porque sua repercussão em nível mundial não se deu por causa
de um marqueting publicitário, mas
pelo sentido que representou para uma geração jovem e esperançosa de mudanças.
O lema do festival: three days of peace
and music (três dias de paz e musica), como expressão da primeira exposição
aquariana da história, representava o que de mais inovador e revolucionário
havia surgido na sociedade americana: o movimento hippie. 500.000 jovens
afluíram à pequena cidade de Bethel, a 150 Km de Nova York, como por um
instinto e um desejo primordial de se encontrar e estar juntos. Ninguém
esperava tanta gente e nem estava preparado para tanto. As estradas de acesso
ficaram bloqueadas. Médicos, enfermeiros, freiras e muitos outros se ofereceram
como voluntários para ajudar essa multidão de jovens e oferecer uma
hospitalidade decente com a rala sopa oferecida. Ninguém, ou pouquíssimos
jovens, tinham dinheiro para pagar o ingresso. Afinal, para que o ingresso se a
motivação que eles tinham dentro de si era a de se encontrarem e vivenciarem
uma experiência nova e despojada de paz, amor e música? Os organizadores, de
fato, liberaram a entrada.
Comparados com os números do Rock in Rio, os de
Woodstock foram bem diferentes. Os organizadores, para pagarem as dívidas do
festival, tiveram que vender os direitos autorais sobre as produções relativas
ao festival para as gravadoras: filmes, discos, logomarca e assim por diante.
Mas dentro de si, nas palavras de Elliot Tiber, um dos organizadores do
festival, “pode não ter mudado o mundo por completo, mas mudou drasticamente
minha vida. E até hoje, toda vez que vejo uma camisa tié-dye ou ouço a música
de uma das bandas do Woodstock, é impossível não sorrir” (TIBER, 2009, p. 292)[1].
Uma geração que proclamou o direito à “objeção de
consciência” contra a participação na Guerra do Vietnam; uma geração que
proclamava a igualdade entre todos os cidadãos; uma geração que se colocava em
oposição à subida ao poder de Richard M. Nixon em janeiro daquele ano; uma
geração que buscava liberdade, paz e amor. Tudo isto pode ser bem representado
numa das músicas tocadas por Jimi Henderix como encerramento do festival quando
entoou o Hino Nacional americano, entrecortado pelo som das bombas que caíam no
Vietnam, nos efeitos de sua guitarra Fender Stratocaster. No dia 24 de abril de
1969, no ataque mais pesado da Guerra do Vietnam, haviam sido lançadas 3.000 toneladas
de bombas atingindo a população desesperada. A foto representativa disto mostra
uma menina de uns dez anos nua, ferida e ensanguentada correndo com os braços
abertos quase a pedir o fim de tudo aquilo.
Não houve crime nem violência no festival. Não houve
tumultos, nem estupros, nem ataques aos moradores. [...] Um espírito verdadeiro
de generosidade, colaboração e comunidade tomou de conta das pessoas na fazenda
do Yasgur. Dava para ver nos sorrisos largos, nos sinais de paz constantemente
mostrados e na ajuda que ofereciam a desconhecidos. Mesmo as condições difíceis
não diminuíram o clima festivo nem o amor e o carinho que as pessoas
demonstraram umas às outras. (TIBER, 2009, 279-280).
Com estas palavras significativas quero encerrar
esse editorial e colocar uns questionamentos no ar: esse espírito morreu? Onde
está a geração jovem, cheia de esperanças e de desejos de igualdade e liberdade
lutando por mudanças? Será essa a juventude que encheu os bolsos dos
organizadores do Rock in Rio? As gerações de 1968 e 1969 exigiam mudanças
significativas para uma nova ordem mundial e os estudantes foram a voz desse
movimento. Hoje, a primavera árabe e o movimento por uma nova ordem econômica mundial
podem ser as esperanças para o início do século XXI. Os jovens estão tendo,
novamente, e terão, certamente, um papel primordial nas mudanças sociais.
Claudio Zannoni
Editorial publicado na revista
Cadernos de Pesquisa Vol. 18, n.
3
setembro-dezembro de 2011
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