sexta-feira, 20 de julho de 2012

Pernas de Coser

(Patricia Luzio e Henrique Borralho)

Naquela casa de madeiras pálidas, mais aquosas do que propriamente sólidas, ela fabricava algo com seus dedos assustados da noite anterior.

Era de coser, era de coser. A cadeira lentamente ia para frente e para trás, num movimento sinuoso, pendular como a balança do tempo em suspenso.

Algo nela se calava, mas outro algo gritava: queria desaparecer dali. Casa apertada, gente apertada, e ela ali, encolhida em sua cosedura para, quem sabe, algo de novo se alinhavar.

De onde vinha o infortúnio com a pequenez do lugar? O que era aquela claustrofobia? Vontade de viver? Ou de não morrer? 

Algo nela sabia que o mundo dançava num ritmo mais acelerado que o movimento de sua cadeira.

Carolina assim se punha: a filha mais velha (bem velha) em corpo andrógino, membros finos quase quebráveis. Era ela, a menina da janela que via o tempo passar. A mesma que outrora, meiga, doce e ingênua, com o passar do tempo transformou as horas em auguras das batidas do relógio.

De sua vida claustrofóbica, só queria escapar, esvanecer. Tão pequena e já se sentia pó. É que a velha nela imperava, os anos se passando por detrás da janela, e nem um fio ela alcançava que pudesse arrastá-la dali. Por isso cosia – quem sabe era aquele o fio?

O fio era intuição de que o melhor não poderia estar ali. De sua cadeira, avistava pela janela o quadro por onde a vida a enxergava. Mas algo nela sabia que a paisagem da vida era maior que o quadro de sua janela.

Quantas vezes sonhou estar rasgando em voo aquela paisagem rumo à sua vida, ainda em espera por ela? Quando é que aterrizaria? 

A angústia lhe apertava a mão e, de tão teso o coser, escorria-lhe sangue pelos dedos. A cólera contida se revestia no desenho do tecido ilegível. Coser já não era fazer algo: era não fazer nada, porque o nada era o único horizonte.

A janela se fechava e a paisagem ia ficando taciturna. Mesmo assim, algo nela respirava e suspirava pelo diferente do mesmo, um sopro-pedido-de-socorro à sua alma escondida pelo tempo que escorria pela janela. E este sopro ínfimo ela sorvia com todas as forças de seu lânguido corpo, fazendo-o pulsar até não poder mais se esquecer de que ela ainda existia. É possível.

Foi então que se levantou da cadeira e, em vez de olhar o mundo pela janela, Carolina escancarou a soleira da porta arrastando o fio que cosia. E, à medida que andava, aquela trama já não fazia mais parte de sua vida, o novelo de lã se esmilinguia, findava-se, e sua vista só alcançava a imensidão do mundo, sem nenhuma saudade dos tempos da cadeira de balanço.

Suas pernas davam a nova cadência: agora para frente, não mais para frente e para trás, sem sair do lugar.


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