sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Ana do Maranhão e o papoético

Aconteceu ontem, no cantinho da estrela, rua do giz, nº 175, Praia Grande, mais um evento do papoético: espaço que discute o cenário cultural de São Luis, sob a coordenação do Profº Paulo Melo. 

Desta vez, a questão em discussão era a montagem da peça: "Ana do Maranhão", texto premiado, escrito há 30 anos atrás por Lenita Estrela de Sá, e cuja montagem ficará a cargo da companhia teatral Abluir de Teatro, sob a direção de Cássia Pires. 

O evento contou a com a presença de poetas, escritores, atores, atrizes, diretores de teatro, jornalistas,  professores universitários, estudantes, enfim, pessoas ligadas ao cenário cultural da ilha, dentre eles: Júlia Emília, Ângela Gullar, Lio Ribeiro, Natinho Costa, José Neres, Paulo César Alves de Carvalho, César William, Uimar Júnior, Maria Machado, Matheus Gato, Fábio Carneiro, Rafaela Rocha, entre outros. A casa tava cheia. 

A intenção era discutir, com a exposição da autora do texto, a livre montagem da peça, mas sobretudo, problematizar a ambiência social propiciante do mito Ana Jansen.

Aos que não conhecem Ana Jansen, a "donana', "rainha do Maranhão", foi uma mulher importante na primeira metade do século XIX desta província à frente do partido liberal pelos idos da década de 40, atuando fortemente até 1847, quando a Liga Liberal começou a se enfraquecer.     

Viúva, rica, poderosa, mãe de filhos de casamentos diferentes, construiu-se em torno dela uma mitologia acerca de sua personalidade, perpassada para o imaginário social como uma mulher má, proprietária de escravos, dona de hábitos bizarros: como jogar escravos vivos nos poços de abastecimento de água de suas várias residencias. Tudo balela. 

Por conta dessas e de tantas outras 'lendas" sobre sua figura, compõe literalmente uma das 7 lendas da ilha de São Luis, a cognominada carruagem de Ana Jansen. Reza a lenda que em dias de sexta-feira, lua cheia, ouve-se andando pelas ruas do centro histórico de São Luis a carruagem de donana guiada por escravos decapitados arrastando correntes.

A discussão no papoético começou com a ambiência histórica em que foram discutidos o cenário politico provincial do século XIX, qual Ana Jansen pertencia, até se adentrar na urdidura da literariedade do belo texto de Lenita Estrela; a licença poética para se falar da mulher para além de sua construção mítica, além é claro, da liberdade teatral em adaptar o texto da autora para os palcos. Foi fantástica a discussão.

Não tardou para se adentrar na sociogênese maranhense, no ethos composto da singularidade propiciadora em pleno século XXI aos mais diferentes propósitos sobre a figura dela. Foi ai que a coisa esquentou, ainda mais. 

Lenita Estrela e os demais convidados brilhantemente expuseram os problemas em torno da mulher, e da mulher no Maranhão. A quem serviu a confecção desta tipologia da pessoa da Ana Jansen? O que isso nos diz sobre o Maranhão do XIX? Qual o traço de permanência presente até hoje? O que tudo isso diz sobre as condições politicas da antiga província e hoje estado?

Foi ai que Matheus Gato colocou o dedo na ferida. Para ele, o mito em torno da Ana Jansen nasceu nas classes dominantes, mas se reproduz em setores populares como estigma de uma dominação inversa, ou seja, a perpetuação do mito em torno dela ganhou ares de dominação simbólica sobre a condição negra e pobre no Maranhão, longe dos setores confeccionantes, e serve como estigma de um Maranhão ainda escravocrata em suas estruturas sociais. O debate esquentou. O ator Uimar Júnior, Angela Gullar, César William, Maria Machado e várias pessoas pediram a palavra para criticar as estruturas de dominação política e simbólica no Maranhão, perversas, por sinal. Durou 3 horas.  

Falar do século XIX e de Ana Jansen é tocar na ferida na estruturação de dominação oligárquica presente até os dias de hoje. Para entender o Maranhão só estudando Fernand Braudel, como diria meu amigo João, professor de História da UFMA. Eu explico.

Existe uma linha de permanência de dominação politica que atravessa o Maranhão desde sua constituição pós-independência de Portugal até os dias de hoje. É o feudo mais antigo do país; vem desde a formação dos partidos propriamente dito na década de 40 do XIX, oriundos claro, das famílias ligadas à questão agrária. Ana Jansen era oriunda desse meio. Não tinha como ser diferente. 

A pergunta que não quis calar foi: se as práticas que ele utilizava eram próprias de uma sociedade ainda incipiente acerca do espaço público, feitas sobretudo por homens, porque tanto alvoroço em torno dela? Misoginia? Machismo? Sociedade escravocrata? Tudo isso e outras coisas mais. Discutir Ana Jansen é adentrar nas filigranas da sociogenese maranhense, por isso é tão inquietante, é tão provocante. 

Parabéns ao Paulo Melo pelo espaço tão necessitado em São Luis em se discutir as nossas questões culturais como o papoético, a escritora Lenita Estrela de Sá, a companhia Abluir de teatro, a diretora Cássia Pires pela direção do espetáculo, ao Leandro, coordenador do debate e a todos que estavam presentes. 

São Luis precisava de um espaço desse. 

Na próxima quinta-feira o expositor será o Professor Ferreti que vai apresentar seu novo livro. 

Compareçam. Vale a pena       

            

Um comentário:

  1. tantos temas levantados Maranhao escravocrata, oligárquico, a figura feminina, Ana Jansen e as suas "lendas", que rico! e por aqui em terras germânicas, nas minhas aulas de alemao tive que em alemao falar de um filme e um livro, uma história, falei de Ana Jansen, tentei... no meu alemao falar um pouco, todos ficaram curiosos e na sala havia 2 cariocas que nunca ouviram falar...

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