Da
Mulher Desprevenida[1]
À Letícia, minha querida imaginária.
Por César Borralho
As mulheres esculturadas pelo
espelho eletromagnético da sala, maquiadas, bem vestidas e perfumadas sob
medida, exuberam sensualidade no andar e mesmo quando paradas, só existindo,
estão reluzindo beleza e esbanjando o tom magnífico do poder e da realeza
feminina. Essas mulheres melhoram nosso dia, emprestam graça e harmonia à noite
e tornam o mundo encantador. Mas não sabemos como são essas mulheres.
A gente se sente lesado quando
a imagem cria perspectiva e esta é dirimida quando a personagem troca de roupa
ou quando após a cama abre a boca e em tudo nada diz. A gente lamenta quando percebe que o
intrínseco era o acessório porque o acessório ocupou o lugar do essencial.
Quando o corpo é acessório da
roupa, as unhas são acessórios do esmalte, as pernas – do salto, o rosto – da
máscara, tudo é nada porque o que existe e brilha é tão pouco e sem nenhuma
maravilha que se sustente de si! Não sabemos como são essas mulheres, até
conhecermos o tato frio e rápido, a pele ilustrada e perdida, o busto em riste,
a barriga apertada, a perna enrijecida de ginástica, o salto maior que a
elegância e a boca perfumada de chiclete, sem fragrância de palavra.
O mais triste é que a boca
iletrada não cessa, não cala, fala em nome de tudo. E como fala a boca iletrada
– uma caixa vazia e amplificada cujo eco ressoa pro nada. Não se sabe o que
devora a pintura, o que é superfície e sequer a profundidade da moldura.
Quem tiver a fortuna de topar
com a mulher desprevenida, os cabelos ao molde do vento, as unhas despidas de
cor, as vestes compridas demais ou consumidas pelo tempo e ter seu espírito
repleto de alegria porque encontrou a mulher desprevenida e ter assim sua alma
e sua pele atraídas pelo que realmente atraí, agradeça a sorte de achar a mulher desprevenida porque foi
encontrado pelo o que estava procurando. Fazei silêncio, não dê alarde, não
banque o preço da vaidade e não exponha sua sorte por aí. É que encontros desta
natureza são presentes da vida, esta engenhosa rapariga que guarda surpresa
quando estamos cansados demais.
(César
Borralho)
27.09.2012
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