Eram ensimesmados. Embotados. Do alto de suas casas
sempre avistavam ao longe a dimensão da baía que os guarneciam dos
estrangeiros, ao mesmo tempo que os impedia de saírem dali. Eram
sempre absortos em si mesmos, sempre se achavam os melhores, os mais
importantes, os anunciadores das boas-novas, das coisas vindas do outro lado de
lá.
Viviam uma relação dúbia com aquele lugar. Sentirem-se os
melhores servia como uma função de distinção social, no entanto, sabiam
internamente que eram os melhores apenas dali, daquele lugar.
Havia tanta vida lá fora, havia também ali dentro, mas a
vida de dentro eles se consideravam superiores demais para enxergarem, para se
misturarem com as gentes simples, “rota”, “rudela”, como alguns afirmavam.
O problema é que no mundo enclausurado de si mesmos,
repetiam as mesmas práticas da gente rota que criticavam. No fundo eram piores,
pois as gentes simples nunca foram rotas, eram sim simples. Viviam de acordo e
conforme suas concepções de vida.
Avistar o mar que banhava a entrada da cidade era uma
atitude poética; mar grande, gigante, bravio, caudaloso, escuro. A linha
do horizonte guardava uma dubiedade: vontade de transpô-la, medo de
atravessá-la. O que existia para além daquela linha? Por que todos,
ou quase todos que chegavam àquele lugar vindo de fora eram mais reconhecidos,
melhores do que os dali?
Com o passar dos tempos, os anos iam se acumulando nos
musgos dos telhados das casas, a parede rachada, os tetos salpicados de luzes
do sol, o cheiro da umidade nas paredes, as ruas sujas, pessoas envelhecendo e
o mesmo mar separando a pequena ilha do restante do mundo começava a entorpecer
os "bons daquele lugar". Já não se sentiam tão consoantes com o
mundo, embora se achassem ainda melhores do que os simples dali.
Começaram a perceber que as coisas comezinhas, as
furitricas, o disse-me-disse, se tornavam uma espécie de vício recalcitrante,
típico de lugares pequenos, como aquele, e que o orgulho que guardavam no peito
por serem os melhores era uma piada fora dali. Ser melhor ali não era muita
coisa fora dali.
Os anos se passavam como chumbo. O céu pesava e descia mais
dia após dia. O impulso inicial para escrever, para estarem estampados nos
jornais seus escritos, para receber sempre as mesmas condecorações, as mesmas
pessoas, os mesmos comentários, as mesmas intrigas já não estimulavam mais. O
problema continuava sendo sempre o mar que os separava de tudo.
Como transpô-lo? Que fazer lá fora? E se conseguissem
atravessar a linha do horizonte e viverem em outras paragens, sobreviveriam ao
anonimato?
Mas havia também os que atravessaram e conseguiram
reconhecimento. O problema era a inveja. Os que ficaram se perguntavam como
alguns haviam conseguido e eles não. Era melhor ficar mesmo, afinal, melhor ser
rei em terra de gente rota que ser anônimo em terra de gigantes.
A ilha se constitui uma verdadeira clausura, embora a céu
aberto, espaço abundante, céu por testemunha. A verdadeira prisão era interna,
não era o mar que impedia a saída.
A dimensão geográfica da ilha se constitui numa
circunscrição subjetiva de ilha nas mentes dos homens ilustres.
Ali, eles estão presos até os dias de hoje.
Conheço um lugar assim,e tenho um sentimento parecido com esse teu em relação a esse lugar!!;;!;! Senti-me contemplada com teu texto. Um grande abraço. Denize .
ResponderExcluirminha amiga denize, eu também conheço e todas as vezes que passo pela beira-mar me lembro dele. porque será, hein?
Excluiramanhã começará as aulas do programa darcy ribeiro?
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