segunda-feira, 22 de abril de 2013

Dançando com Alberto Nunes Tugeiro


Uma calça de linho folgada, daquelas que deixam as pernas soltas, bambas, dispostas para o dois pra lá, dois pra cá. Foi escolhida especialmente para aquela noite de alegria, de dança, de passos pesados pela dimensão corporal, mas que revelava já um homem maduro, alegre, consciente de seu papel como pai, avô, amigo.

A camisa era igualmente bonita, escondia a cicatriz de uma cirurgia cardíaca cuja epiderme por sua vez escondia um aparelho por nome marcapasso ajudando aquele grande coração a bater ao lado de três pontes de safena.

A calça também escondia outra cirurgia: a mesma que retirou uma grande veia da perna para as pontes. Naquela noite, as únicas pontes que importavam eram as que ligavam à dança, às companhias, à música, à alegria e à certeza de uma vida feliz.

No mar, exatamente perto dele, sob o escopo da brisa e das cadências das ondas que iam e vinham, os passos ritmados ali perto repetiam o movimento da vida, cadentes, de um homem de 74 anos de idade; grande, afável, falador, brincalhão, amigo, excelente pai e avô. O mesmo homem conhecedor das histórias que o mar carrega, exatamente por possuir um grande arsenal de histórias, algumas tão surreais quanto as dos pescadores. Assim era ele, um grande contador de histórias por tê-las vivido tão bem.

Conheci Alberto Nunes Tugeiro em 1996 em sua grande residência no Monte Castelo, Rua Raimundo Correia, a mesma rua que anos antes eu frequentava quando aos domingos me congregava na Igreja do Evangelho Quadrangular. Os caminhos de Raimundo Correia entrecruzando os meus, até hoje pela veia e via literária.

Quando me olhou apresentando por Lúcia Tugeiro, sua filha, minha namorada, fechou a cara obtusamente por conta de meus cabelos longos e meu brinco na orelha esquerda. Ele nada entendeu. Mal sabia que por longos 17 anos aquele cabeludo de brinco na orelha esquerda seria seu genro, pai de duas de suas netas e seu amigo por toda a vida.

Éramos parceiros no jogo de gamão, eu quase sempre o vencia, meu aliado no garfo e na boa mesa, meu companheiro de jogos da Liga dos Campeões da Europa, meu adversário de clube, ele Vasco, eu Flamengo, meu debatedor sobre políitica, meu amigo, meu amigo.

Esse paraense, criado no Rio Grande do Sul, morador do Rio de Janeiro, andarilho do mundo, trabalhador, gigante com quase 1,90 cm, 120 kg, era portador de um coração incrível, porém frágil. Foi militar, contador, bancário, medidor de obras, construtor civil, dono de restaurante. Foi de quase tudo um pouco.

Chegou ao Maranhão na década de 60 e de lá pra cá nunca parou de crescer e constituir amizades. Participou da fundação da SURCAP (Serviço de Urbanização da Capital), da restauração do bairro da Praia Grande, da criação do Aterro do Bacanga, da construção do Estádio do Castelão e de várias obras importantes da construção civil maranhense. Era uma memória viva da evolução urbana na cidade. Na época, eu, um estudante de História, me servi de suas memórias para a confecção de minha monografia de conclusão de curso exatamente sobre a evolução urbana de São Luís a partir da década de 60. Foram horas e horas de entrevistas.

Esse grande homem era pai de Alberto Filho, Albertinho, Elisabete, a bete, Lúcia, Ribamar e Paulo, o Paulinho. Avô de 13 netos, todos absurdamente apaixonados por um avô engraçado,  amigo, brincalhão e extremamente companheiro. Tal paixão era desmedida quando se tratava dos filhos. Todos tinham nele uma referência.

Esse homem grandão tinha pelo corpo as marcas da vida: uma orelha cortada por um gravíssimo acidente de carro viajando a trabalho na estrada sinuosa de curvas perigosas que levam a Imperatriz, onde residiu por algum tempo. Era insistente e corajoso. Já safenado, foi de carro com seu filho Ribamar dirigindo até Porto Velho. Ai de quem dissesse que ele não poderia dirigir!!!!

Era um homem do mundo, conhecedor dos caminhos e percalços da vida, sabedor, inclusive, que sua jornada estava chegando ao fim. 

Há duas semanas, quando sua filha Lúcia comprou uma passagem para ele ir ao Rio de Janeiro visitar sua filha Bete, seus netos Juninho, Deco e Letícia e seu genro Bira, ele calmamente disparou: – “Filha, eu não mais voltarei ao Rio, eu não estarei mais aqui”... Semana passada quando almoçávamos juntos, ele me chamou em particular e me confidenciou: – “Henrique, meu fim está próximo, não vou ficar muito mais tempo por aqui, minha morte se aproxima”, de forma plácida, serena e tranquila. Olhei para ele seriamente, ele me sorriu.

Eu o vi pela última vez no sábado, quando pela última vez também almoçaríamos juntos. Fui buscar minhas filhas para passar o final de semana. Como sempre, conversamos sobre futebol, como sempre, zombou do meu peso, do tamanho do meu prato de comida, ele adorava fazer pilhéria sobre a minha forma de comer. Levou minhas filhas até o meu carro, minha caçula Milene como sempre brincou com ele; ele sorriu. Foi a última vez que o vi.

De madrugada meu telefone tocou, era Lúcia.  Eu já sabia do que se tratava. Contou-me que ele estava dançando com a calça de linho escolhida para aquele noite, a mesma calça que escondia a cicatriz que retirou uma veia da perna, a que deixava as pernas bambas para bailar, rodopiar no salão com sua grande amiga Fátima. Com a mesma camisa bonita que escondia a longa cicatriz do peito, cuja epiderme escondia o marcapasso. Após uma noite de piada, de alegria, depois de três danças, o coração parou; o mesmo grande e generoso coração, porém, frágil.

Ele morreu dançando, sob a brisa do mar, embalado pelas ondas que vão e vêm como uma dança de dois para lá e dois para cá. Driblou a vida, dançou com ela, se despediu dançando.

Hoje, pela manhã, bem cedo contei para minha filha Lucía sobre a partida do avô. Disse:

– Filha, seu avô viajou.
– De novo, pai...
– De novo, filha.
– Ele foi de carro?
– Não.
– Foi de ônibus?
– Não.
– Foi de táxi?
– Não.
– Foi de quê?
– Foi voando filha.
– E ele levou mala de roupa?
– Não.
– Meu Deus, meu avô sapeca tá sem roupa.
– Não se preocupa filha, teu avô agora se reencontrou com sua avó Cidália, tá cercado de gente contando as histórias dele. E quanto às roupas, ele sempre dá um jeito. Está vestido a caráter, como quem não veio nessa vida a passeio, mas sempre dançou nos bailes da vida.      












8 comentários:

  1. Pôxa, mano. Sr. Alberto foi retratado por ti com tanta fidedignidade que me arrepiou. Realmente, ele era um homem da vida e viveu prá ela, intensamente e com muita sabedoria. Deixa saudades, mas também um legado fantástico, exemplo a sr seguido.
    Margô Maia

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  2. henrique,
    Ninguem melhor que você para dewscrever, com tamanha precisão, aquele que, alem de sogro, viria tambem a ser o meu segundo pai. Um grande pai..
    Quantas conversas boas, quantas dicussões sobre o meu Fluminense. De vez em quando, só por gentileza, torcia por mim, vendo as agruras de não se vencer. E, também, quantias vitorias tivemos, torcendo juntos por dias melhores na politica, no futebol e na vida... E como cozinhava bem, hein? Tentava adivinhar tudo que eu gostava, so para ver-me feliz... Que grande pai, avo, irm irmao maiis velho, sempre com um bom conselho na algibeira das famosas calcdas de linho, tao bem descritas pelo Henrique... Perdemos m pai, um avo, um amigo! Já faz falta, Albertao!
    E quando decidi levar um padre ao estãdio, pois com ele o Flu so perdia? Fez muita gozacao (mas deu certo, vencemos!).
    Lembro-me do pedido de casamento da Beth. Ele nao queria tratar do assunto - foi uma semana, todo dia de roupa nova, tentando ser recebido... No ultimo dia, jã sem condicao de comprar uma roupa nova, aceitou que, enfim, eu merecesse o privilegio de te-lo, para sempre, como sogro, amigo e pai...
    Foi-se um grande homem, que certamente agora nos observa, aqui e acola, procurando ajudar cada um e a todos.

    Fostes ontem, mas jã temos saudades, tamanha e a dor da tua ausência, meu amigo e pai... Alberto Nunes Tugeiro.

    Fique com o meu abraco e o meu muito obrigado...

    Ubirajara de lima Ferreira, o 6. elemento

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  3. Henrique e Bira,
    Os texto de vocês expressão tudo o que meu pai sempre foi, um grande homem, aliás, um homem, marido, pai, avô e amigo sempre muito digno, amável, bonachão,falador, guerreiro...e muito mais.
    Tivemos o privilégio de termos tido um pai e uma mãe, que sempre nos cercaram de muito amor e carinho.
    Quando nossa mãe nos faltou, papai passou a desdobrar-se em pai e mãe, e olha que já estávamos bem crescidos. Esse papel ele execultou muito bem até o último dia de sua vida. Eu, Lúcia, posso falar isso de cátedra....
    Pai, hoje tu estás nos olhando e cuidando à distância, com certeza com muito mais força.
    Agora fica a pergunta... Como vou conseguir...? Que Deus e São Miguel Arcanjo, pra quem o senhor me ensinou a orar, possam me confortar.
    TE AMO PAI!

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  4. O Sr. Alberto, com certeza, teria gostado de ter lido tua crônica sobre ele. Não era sem razão que ele te queria tão bem!
    Que ele esteja em paz!

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    1. tenho certeza de que, onde quer que ele esteja já tomou conhecimento da cronica.

      abraços

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  5. SEMPRE...
    A minha história de amor com seu Alberto, tem o bailar das cantigas e do mar... É eterna! Me sinto privilegiada por tê-lo como amigo, amigo de todas as horas... Aquela pessoa que me fascinava, me cativou, me encantava, sempre afetuoso, um sábio... Poderia passar horas e horas ao seu lado, sua companhia sempre me fez bem. A voz dele me alegrava, e agora? ... Ele compartilhava das minhas vitórias e sofria junto comigo as minhas tristezas, MEU AMIGO, quanta saudade! É difícil seguir sem esperar mais sua ligação. Desde que soube, na madrugada, está passando um filme na minha cabeça, e agora percebo que a última vez que nos falamos, há duas semanas, ele me disse coisas lindas,que guardarei no meu coração para sempre, era uma despedida, apesar dos futuros encontros marcados. Pensarei em ti em todos os momentos da minha vida.
    Te amo, meu eterno amigo, um grande homem! Naylla Martins.

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  6. OLA Henrique .. FOI MUITO BOM voce escrever
    essa linda estoria de VIDA DE SEU ALBERTO .EU ali como vizinha por muito tempo tb o conhecia um pouco e visitava sempre ate pq fazia HIDROTERAPIA COM A LUCIA E NOS NATAIS SEMPRE FAZIAMOS UM JANTAR E ELE SEMPRE TAVA LA ARRUMANDO TD com muito prazer . Agora ele estar nas maos DO NOSSO DEUS .
    EU SOU maria enfermeira .

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