sexta-feira, 3 de maio de 2013

Dos mijões de São Luis

No bom português brasileiro – se bem que para alguns linguistas já não é mais português brasileiro, e sim, brasileiro apenas, ou seja, uma nova língua –, mijar é a mesma coisa que urinar, fazer xixi, pipi, verter água. 

No caso especial do Brasil, grosso modo, urinar não é uma característica do espaço privado, e sim, público, na rua mesmo, em qualquer lugar que der. Se tiver apertado, é só desarrochar o buriti, abrir as calças, calção, enfim, botar o pênis para fora e sem pudor fazer ali mesmo, na frente de todo mundo, sem vergonha.

Em São Luís do Maranhão, cidade sem banheiros públicos, pouco esgotamento sanitário, espaço onde há ainda muita área verde, mas que a especulação imobiliária já está tratando de desmatar, é muito comum ver muito marmanjo e até mulheres fazendo xixi, mijando, urinando em pleno espaço público. Já é tão corriqueiro que as pessoas nem ligam mais. É a máxima expressão da naturalização proposta por Foucault acerca do sexo, segundo ele, quando as pessoas naturalizarem o sexo, deixará de ser um tabu. Pois bem, Foucault, se estivesses vivo, verias que tua reflexão teórica teria total comprovação na cidade de São Luís. Já virou parte da paisagem urbana. O elemento novo são as chuvas torrenciais nessa época do ano, é chuva misturada com mijo descendo vala abaixo.

Além de ser uma característica cultural, e, exatamente por ser uma questão cultural, mijar nas ruas de São Luís é uma herança do período colonial, quando os tigres (escravos) a mando de seus senhores jogavam as fezes nas praias e espaços urbanos da cidade.

Não havia e ainda não há uma clara distinção entre o que é publico e privado, por isso as pessoas não se sentem constrangidas em fazer no espaço público o que fazem em casa. E aqui não se trata de uma crítica a quem faz xixi nas ruas, se fazem é porque não há espaço público para isso, vez que necessidades fisiológicas todo mundo tem e ninguém pode prever quando dá aquela vontade arretada de mijar ou fazer um 2, defecar, no bom brasileiro, língua me refiro. Número 1 é urinar. Esse código de 1 ou 2 uso com minhas filhas. 

Essa questão de indistinção entre o que é publico e o que privado está na ascese da formação do estado brasileiro. O estado brasileiro nasceu como qualquer outro para beneficiar os setores de dominação, privilegiar grupos de classe, por isso a população nunca se sentiu identificada ou representada pela estância política. Essa não dissociação entre o que é público e privado se transmutou para a convivência urbana, na verdade, o espaço urbano era a representação da relação privada com o espaço publico.

Por isso que é muito comum em São Luís vizinhos colocarem música alta, pessoas circularem com seus carros nas praias, levantarem os portas-malas com suas parafernálias tecnológicas e colocarem o som a toda altura. Se você se meter a besta de reclamar vai tomar um sonoro: – “Os incomodados que se retirem”... Ou seja, por ser público, eu faço o que eu quiser, quando deveria ser ao contrário, por ser público, não se pode fazer o que se quer, e sim, o que a coletividade deliberar, afinal, o espaço é público e não privado.

Apesar disso, quer dizer, de mijo para todo o lado, a cidade de São Luís não fede a mijo, depende do local. Existe um teste de uso de banheiro público que consiste em saber quanto tempo alguém consegue usar tal local segurando a respiração. Se der para segurar sem morrer asfixiado, então tá liberado.  

Considero o ato de urinar em público um ato de contravenção, não de falta de educação. Numa cidade provinciana, dominada por sucessivas oligarquias desde 1845, sem parques, sem praças decentes, cheia de buracos, suja, imunda, sem banheiros públicos, engarrafada, com feiras imundas, baixo esgotamento sanitário, mijar nas ruas é apenas mais um dos componentes de uma cidade cuja população nunca se sentiu prestigiada, respeitada ou mesmo vislumbrada por políticas públicas construtora de espaços públicos. 

Atentado ao pudor? – Mas como, seu guarda, vou fazer minhas necessidade onde, se estou apertado?!!! Pode dizer perfeitamente qualquer morador que numa situação de perigo, descer do ônibus, parar o carro, procurar um lugar mais escondidinho e sentir-se aliviado. Ufa!!!! Pensei que fosse mijar nas calças!!!!!

Portanto, se virem alguém mijando, urinando, fazendo xixi, número 1 por aí, não vão pensando que isso é um atentado ao pudor, é tão somente um componente da paisagem urbana desta cidade que em pleno século XXI ainda está em alguns aspectos em pleno século XIX         










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