quarta-feira, 19 de junho de 2013

Apesar de você, hoje cantaremos uma pequena serenata diurna

Hoje, 19 de junho, um dos maiores compositores da música popular brasileira faz 69 anos. Os olhos cor de ardósias, a voz pouca, o talento gigante, a versatilidade no teatro, cinema e literatura, e também no futebol, são atributos de um dos mais engajados artistas do Brasil, Chico Buarque de Holanda.  

Começo da carreira atribulada por conta de sua vinculação ao conservadorismo nacional, logo Chico se desvencilharia dessa imagem e se tornaria um ícone de um país no que tange às questões politicas. Suas músicas se tornaram hinos contra a repressão, embora no cômputo geral sejam uma parcela bem pequena de sua obra.

Nesses dias tumultuados, tensos, ainda nebulosos quanto ao futuro do Brasil, penso que o bom e velho Chico deve estar se quedando sobre os rumos da nação, afinal, ele fez parte de um documentário intitulado: O pais da delicadeza perdida. E agora? As manifestações retomam a delicadeza e os sonhos perdidos, ou a coisa desanda de vez?

Ainda que suas canções já de algum tempo tenham deixado de lado os problemas sociais, seu legado é inegável, sua imagem está para sempre associada aos movimentos que participou, como a Passeata dos 100 mil.

Nestes últimos dias no Brasil tempos passeatas de 100, 200, mil pessoas espalhadas pais afora. Muitos desse jovens nasceram num pais pós-ditadura, conhecem os excessos da recessão pela memória dos mais velhos, por canções entoadas até os dias de hoje, pelas permanecias que deixaram. 

Muitos desses jovens até conhecem a violência da Policia, pelos seu caráter truculento, herdeira da ditadura, mas não por terem vivido numa época em que até se manifestar era caso de prisão. Quantos mortos, desaparecidos, quantas torturas. 

Olha que curioso: a presidente Dilma é ex-militante da extrema esquerda, foi torturada, presa e humilhada. O que se passa na cabeça dela agora ao ver a violência policial e a radicalidade do movimento? Na sua época havia dois horizontes: o socialismo e o capitalismo. Hoje, existe o capitalismo e o socialismo ainda figura como ideal nas cabeças de cada vez menos pessoas. 

Manifestantes cantam a música de Chico Apesar de Você, direcionada à época ao presidente Médici, hoje contra o capital num momento em que o país é governado por uma ex-militante que cantava a mesma música na época contra a ditadura. A história é "cíclica".

Há brutais diferenças no entanto entre as épocas. Quando da ditadura os grupos de esquerda sonhavam com o socialismo imediato, às portas, prestes a chegar num pais de delicadeza perdida, cuja ingenuidade se esvaiava pelo sangue dos militantes jogados pela ralo da repressão. Hoje, o horizonte é a melhoria de vida das pessoas, a reforma do modelo econômico e politico ainda dentro da base e sistema capitalista. O que pouco mudou foi a virulência dos aparelhos repressores do estado. Antes, censura, DOI-CODI, prisões clandestinas, torturas, exílios. Hoje, censura velada sob os auspícios da democracia, o retorno de autoritarismo pela via judiciária a mando do capital, tortura midiática com editoriais asquerosos da imprensa, exílio dos brasileiros de sua condição de sonhar com um país mais equânime, mais justo e solidário.

Talvez seja isso que esse movimento compósito está fazendo. Não voltando ao passado, nem tampouco tentando reviver um clima ideológico de mudança radical do mundo, os tempos são outros, mas sonhando, ainda que por uns instante em construir um pais do qual nós sejamos co-participes, construtores e não caudatários. 

Porque ninguém arranca dos seres humanos a doce ilusão de sonhar? De novo vem essa "ira santa"? Porque antigas canções não saem de nossos lábios? Porque a guardamos no peito como uma roupa velha que teima ainda em servir, como se fosse um "vestido decotado, cheirando a guardado de tanto esperar"? Porque guardamos guardanapos escritos a mão "em posta-restantes milênios, milênios" sem serem em vão? 

Esse motor é o amor, mesmo irado. Mesmo jogando e queimando carros, bradando palavras de ordem, se indignando contra as injustiças, é por ele que sabemos que existe algo diferente de tudo o que está ai. É o amor que nos faz entender que a indiferença não nos serve, que a fome, a sede e a raiva de interromper a delicadeza "é coisa dos home". Não era para ser assim, por enquanto vamos lutando porque amanhã vai ser outro dia. 

Quando chegar o momento "vamos cobrar com juros, juramos. Todo amor reprimido, grito contido, o samba no escuro". E quando alegria enfim chegar nos lembraremos que a luta não foi em vão, que a canção contida se transformará em oração. Até lá, vamos sonhar e lutar marchando pelas ruas cantando uma pequeña serenata diurna...Como se fosse a primavera


Pequeña serenata diurna
(Silvio Rodrigues)
 Vivo en un país libre
cual solamente puede ser libre
en esta tierra, en este instante
yo soy feliz porque soy gigante.
Amo a una mujer clara
que amo y me ama
sin pedir nada
o casi nada,
que no es lo mismo
pero es igual

Y si esto fuera poco,
tengo mis cantos
que poco a poco
muelo y rehago
habitando el tiempo,
como le cuadra
a un hombre despierto.
Soy feliz,
soy un hombre feliz,
y quiero que me perdonen
por este día
los muertos de mi felicidad.

Como se fosse a primavera
(pablo milanes, nicolas guillen)
De que calada maneira 
Você chega assim sorrindo 
Como se fosse a primavera 
Eu morrendo 
E de que modo sutil 
Me derramou na camisa 
Todas as flores de abril 

Quem lhe disse que eu era 
Riso sempre e nunca pranto 
Como se fosse a primavera 
Não sou tanto 
No entanto, que espiritual 
Você me dar uma rosa 
De seu rosal principal 
De que calada maneira 
Você chega assim sorrindo 
Como se fosse a primavera 
Eu morrendo 
Eu morrendo 
De que callada manera 
Se me adentra usted sonriendo 
Como si fuera la primavera 
Yo muriendo 
Yo muriendo 

De que calada maneira 
Você chega assim sorrindo 
Como se fosse a primavera 
Eu morrendo 
E de que modo sutil 
Me derramou na camisa 
Todas as flores de abril 

Quem lhe disse que eu era 
Riso sempre e nunca pranto 
Como se fosse a primavera 
Não sou tanto 
No entanto, que espiritual 
Você me dar uma rosa 
De seu rosal principal 
De que calada maneira 
Você chega assim sorrindo 
Como se fosse a primavera 
Eu morrendo 
Eu morrendo 
De que callada manera 
Se me adentra usted sonriendo 
Como si fuera la primavera 
Yo muriendo 
Yo muriendo

  

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