quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Do caso da agressão aos médicos cubanos

Eu vou responder a provocação do meu amigo, Profº Wagner Cabral, da UFMA, que, me citando sobre a reação da direita ultraconservadora brasileira durante as jornadas de junho e julho, cutucou-me indagando como fiquei perplexo com o que aconteceu, imaginava como eu reagiria diante do episódio da agressão verbal a que médicos cubanos foram acometidos quando de suas chegadas ao Brasil, mais precisamente em Fortaleza. Aos desavisados, eles foram vaiados e cognominados de escravos. Bem Wagner Cabral, aqui segue minha resposta indignada. 

Não é de hoje os privilégios a que classes mais abastadas gozam no Brasil desde o período colonial e republicano, vide termos sido uma sociedade escravocrata, aliás, a penúltima a abolir a escravidão, Cuba foi a última. Nesta sociedade altamente excludente, cujas taxas de iletramento eram altíssimas, ler era um privilégio de poucos, afora os mais aquinhoados que singravam o oceano atlântico e conseguiam seus diplomas em Universidades europeias, notadamente a de Coimbra. 

Em seus retornos se tornavam a intelligentsia (a nata) do pensamento politico e intelectual brasileiro, por vezes ocupando postos de presidentes de províncias, cargos eletivos nas Assembleias provinciais e Geral, quando não em postos na magistratura. 

Eram cognominados de doutores, mesmo sem doutoramento, haja visto ser dificilíssimo ler e escrever no Brasil, quiçá graduar-se em uma universidade europeia. A primeira faculdade brasileira foi a de Direito em Recife, seguida da escola de São Paulo. A faculdade de Medicina somente em fins do XIX apareceria, daí não ser difícil entender como advogados e médicos eram vistos no Brasil. Nascia a tradição bacharelesca brasileira: excludente, racista, classista. 

No Brasil acontece um fato engraçado, para não dizer escroto; rico estuda nas melhores universidades publicas do pais em cursos altamente concorridos, tais como medicina, direito, odontologia; pobre, estuda em cursos de baixa concorrência, notadamente as licenciaturas, quando não em faculdades privadas. Isto é decorrência do modelo educacional esmagador, excludente, destruidor de sonhos e esperanças.

Ai, como os aquinhoados geralmente são filhos da classe média alta, depois que se graduam, montam seus consultórios, quando não enriquecem em hospitais particulares sem nenhum retorno social, ou seja, a sociedade brasileira paga para perpetuar a exclusão social. 

Toda regra tem exceção, claro, e todo argumento precisa excluir e segmentar quem é quem, com o risco de generalizações. A parcela dos que vaiaram os médicos cubanos em Fortaleza foi uma minoria, mas é representativo de uma parte da categoria, da mentalidade pequeno-burguesa brasileira concentradora de renda, moralista, corporativista, corrupta.

Para usar uma expressão do Profº Wagner Cabral, esse episódio é a máxima expressão da hiperpolitização a que o pais está imerso desde sempre, com enfase mais aguda após os episódios de junho e julho. As jornadas de junho e julho trouxeram questões mais que significativas para todo mundo ver. Acabou a máscara da democracia racial explanada pelo racista Gilberto Freyre e do mito da cordialidade brasileira, conjectura do genial Sérgio Buarque. Agora as coisas estão muito claras e ficam mais nítidas as grandes diferenças ideológicas no país. Ufa!!!! Já não era sem tempo.

Vaiar, xingar, detratar qualquer profissional, além de corporativismo, elitismo, é a expressão do simbolismo de uma elite perdida que não abre mão dos seus privilégios, faz reserva de mercado, deixa o interior do país inteiro morrer à minguá sem médicos, pasmem, mesmo com prefeituras pagando até salários de R$ 30.000,00. O Estado brasileiro nunca deu estrutura e condições de trabalho? É verdade, mas culpem os governos que desde 1500 sempre expropriaram a parcela mais pobre da população. Cadê o dinheiro da CPMF? 

Médico, alguns, claro, não querem deixar as capitais sobre o argumento de que as cidades do interior não possuem condições de moradia e os hospitais são precários. Mas afinal, são cidades fantasmas? Por um acaso não existem pessoas morando? Quais hospitais são verdadeiramente equipados? E o juramento de salvar vidas sob quaisquer circunstâncias? R$ 10.000,00, R$ 20.000,00, R$ 30.000,00 são baixos salários? São altos em qualquer lugar do mundo. 

Ademais, não ficamos indignados quando em Portugal os odontólogos brasileiros foram detratados, expulsos sob o mesmo argumento corporativista? Agora um grupo da máfia de branco faz a mesma coisa com colegas de Cuba? 

Sabe o que se esconde por detrás dessa atitude? A revelação do caráter ideológico de parte da elite brasileira que não está acostumada a dividir o quinhão do bolo, ademais, existe um medo da corporação entre as duas formas de tratamento: da medicina preventiva, modelo cubano, e da "curativa", a mais cara, excludente, atrasada, atrelada ao quartel das grandes redes farmacológicas, da indústria de saúde que não possui nenhum interesse em diminuir o número de internados nos hospitais brasileiros que são verdadeiras zonas de matar gente.

Quem nunca esteve num consultório e viu chegar os representantes comerciais de grandes marcas de remédio para falarem com os médicos? Quem não sabe que existe uma parcela significativa de médicos que ganham bônus pela quantidade de remédios indicados de certas indústrias? 

Ora vamos gente, vamos deixar de balela, a industria da saúde é uma mina de ouro e muitos jovens são atraídos para a carreira não por vocação, e sim por privilégios de toda ordem. Isto está diretamente correlacionado ao papel que o estado sempre exerceu a serviço dos interesses capitalistas, dos setores dominantes, permitindo o sucateamento de escolas e hospitais, não direcionando vocações profissionais, tudo para permitir que segmentos sociais, a elite, quer seja econômica, politica ou cultural dessem e comandassem as regras do jogo. Todo mundo sabe que no interior do Brasil médico é Deus, por vezes se utiliza da carreira para se lançar a prefeito, ganhando eleições e perpetuando a miséria nos municípios.

Vamos deixar de falsidade, esse episódio é apenas a ponta do iceberg das grandes contradições e mazelas deste pais excludente, racista, elitista, corrupto. 

Sejam bem-vindos médicos cubanos, nuestros hermanos. Mostrem para a máfia de branco brasileira, nem todo médico pertence a máfia, o que é medicina preventiva e salvam os milhões de brasileiros que, longe dos grandes centros, jamais seriam socorridos.                             

4 comentários:

  1. então, outro dia aprendi na porta de uma boate a expressão "mix de peças erradas", acho muito apropriada para o discurso médico e sua defesa. Obviamente a questão de ir para o interior não é pela precarização da saúde, esta ocorre inclusive nos grandes centros urbanos, e no que se pretende ser de ponta. No ano passado, na região Oeste da cidade do Rio de Janeiro, se reinaugurou o Hospital Pedro II, para trabalhar lá o profissional médico recebe um adendo de quase 1/3 do salário por causa da "distância" (mas, de onde Deus?, da Zona Sul?.Quando se cogitou que os médicos fossem trabalhar obrigatoriamente no SUS depois de formados, soou como uma atitude despótica e absurda, mesmo com o fato de todos os médicos homens terem que se apresentar ao serviço militar e geralmente serem obrigados a trabalhar por um ou dois anos, o SUS é pior que os hospitais especializados das forças armadas?
    A saúde está cada vez pior com as OS's, Ong's, empresas estatais, cadê os médicos para denunciarem coisas tão graves?
    Certo que tais movimentos não são pela saúde de ninguém, e outra coisa, se no século XIX os médicos eram letrados, hoje vejo uma grande massa de tecnólogos, tecnocratas incapazes de produção de saber crítico, reflexivo, interpretativo!
    Os médicos apontam hoje para nossa doença social, o racismo, a exclusão, a segregação social, acho que eles tem diagnosticado muito bem isso!

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  2. Outro dia estou eu sentava com um grupo de alemaes e estes comecaram a falar de certos estrangeiros, seus conhecidos vindos da antiga Iugoslavia (hoje da parte da Bósnia) pela época da guerra e que se instalaram na Alemanha, vivem, trabalham, o papo continuou e comecaram a falar dos romenos que também vivem na Alemanha e sobre estes sao tecidos os piores comentarios, sao tidos como perigosos e ladroes, depois falaram de portugueses e Portugal que é pobre, depois falaram dos judeus, depois falaram de estudantes estrangeiros a exemplo de muitos asiaticos nas universidades alemaes e ainda falaram de profissionais como por exemplo de professores estrangeiros nas unis alemas, resumo da opera estao todos esses estrangeiros ganhando dinheiro na Alemanha e que esses deveriam voltar, que a guerra ja acabou, pq eles nao voltam, que os judeus de nao sei quantas geraceos passadas requerem ainda indenizacoes, fora a grande maioria de turcos que vivem na Alemanha, sao tantos estrangeiros, um caldeirao cultural.
    O Brasil está experimentando a vinda de profissionais de outros países, nao serao só cubanos, serao portugueses, espanhois e muitos outros e nao serao só médicos e formados. Simples, isso é fruto da globalizacao, o mundo ficou sem fronteiras e com preco alto, alto no sentido de ninguém que ir para o interior sem estrutura e alto para estrangeiros (qualificados sim), todos sabem da realidade de Cuba e ao que os cubanos se submeterao no Brasil junto com a pressao do governo cubano, alto de novo para estrangeiros europeus onde seus países estao quebrados e irao enfrentar uma dura realidade no interior na qual nao estao acostumados na Europa.
    Mas ninguém reclama de exportacao de produtos estrangeiros pelo mundo, Nike, Adidas, Puma, Wolks, Audi, Porsche, Ferrari, Ford, Sony, Samsung, etc., A globalizacao só vale para mercadoria e o ser humano.
    e eu era a unica estrangeira na mesa, fiquei firme, mas por dentro fiquei sem graca. Sim

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  3. Esplênddido argumento Henrique, agora há outro problema a ser tratado: quem garantirá as devidas providências sobre os casos das vítimas do dasabamento ocorrido em São Paulo? já que o estado têm grandes culpas poderia com algum orgão competente amparar as familias das vítimas sobre as indenizações a serem pagas, haja visto que essas famílias não têm os conhecimentos sobre os processos a serem seguidos, é triste vê nossos conterrâneos morrerem em trabalhos degradantes.

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  4. Parabéns pelo excelente texto, professor!

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