segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A vida na tela e nas páginas


A convite do meu amigo Marcos Fábio, escrevi esse texto para o site de ideias Pensar/SA. Segue abaixo o link do post


http://www.pensarsa.com.br/a-vida-na-tela-e-nas-paginas/



Quando Platão em O Fedro conotou a diferença entre a poesia, a história e a filosofia estava demarcando uma posição que seria legitimada séculos depois pelo que seria cognominado de mundo ocidental quanto às funções da poesis, da pesquisa e do filos.

Tal diferença consistia na composição de que tanto a poesia quanto a filosofia versavam sobre o inefável, o não-dito, enquanto a história só poderia narrar sobre o real acontecido. A poesia e a filosofia passavam a se encarregar do hiato, do vazio, do silêncio, ainda que pronunciado. O falar literário e o filosófico eram e são formas inescapáveis de anunciar algo que não se sabe, mas que precisa ser dito.

Séculos depois de Platão mil teoremas já foram escritos para descrever o sentido da poesia e da filosofia, todos sem um ponto final. Há algo de mistério em elucidar o que se esconde por detrás do cosmos, pletora relação de ligação com a existência humana.  A arte, atrelada à poesia, ainda se sentiu mais leve quando se colocou na condição de não ser exato, exatamente como amor não cabendo em si.

Assim, poetas, literatos enfim, esses filósofos da arte, da vida, cuja capacidade de descrever o que poderia ser, tem ao longo dos tempos se enredado na difícil tarefa de escrever sobre a vida logrando total êxito. Não se trata de questionar porque tantos alfarrábios, tantas bibliotecas repletas de histórias sobre vidas imaginadas com pintadas de encenações autobiográficas se avolumando sem que se chegue a uma definição sobre o que seja existir, e sim, porque exatamente a não definição do que venha a ser existir impulsiona a necessidade de tantos escritores tentarem decifrá-la. O mistério talvez seja esse: a vida se apresenta da forma como a concebemos, por isso cada um compõe seu enredo, sua trama, monta sua história.

Não satisfeitos apenas com a capacidade imaginativa da literatura em papel os irmãos Lumiere resolveram dar movimento as palavras criando um cinematografo, uma espécie de literatura com imagens em movimento, depois resignificado e reelaborado por Chaplin cognominado de cinema.
De lá pra cá milhões de pessoas ao redor do mundo começaram a dar movimentos aos conjuntos de sonhos indecifrados, particularizados, mas quando expostos numa tela passaram a ter correlação com outros sonhos ou possibilitando a efervescência daqueles que estavam submersos.

O movimento de busca pelo sentido da existência na filosofia, na literatura e mais contemporaneamente no cinema não é aleatório. Cunhou-se inclusive a expressão de que a arte imitava a vida, de que buscávamos a arte porque a realidade era insuportável, a arte tinha a capacidade de elevar nossos espíritos, nos colocar numa condição menos miserável, etc. Tudo factível, producente, encadeado, mas o que tem passado cada vez mais despercebido, sobretudo porque tanto a literatura quanto o cinema também se transformaram em elementos da indústria cultural, mercadoria, entretenimento, necessidade de consumo, é o que estava presente nos compêndios de Platão de que a arte, e nisso se inclui o cinema, não imita a vida, é representação dela, é encenação da captação do narratário compreendido em outras dimensões sensíveis, cuja a realidade lógica, produtivista não conseguem alcançar.

As pessoas não apenas se espelham em personagens dos romances, filmes, se sentem imanadas com elas, elas se conectam com uma dimensão da existência perceptível no âmbito das artes por uma janela que o artista e todo aquele que se vincula a ele, inclui o receptor, enxerga pela fresta do buraco da consciência universal.

As pessoas ao lerem literatura, ao assistirem filme, ao se conectarem com um argumento filosófico, estão se reconectando consigo mesmas exatamente por saberem em algum lugar de si, talvez no plano do inconsciente, saibam que a vida é mais bela que a crueza da dura realidade objetiva. Portanto, a arte não imita a vida, ela reescreve de forma legível, sensível às pessoas que já se esqueceram do que viveram e de como é viver de forma mais sutil, leve, bela. Por isso nos impactamos diante de um quadro, uma escultura, uma fotografia, uma instalação, um poema, um filme, um teorema.

A vida, que não se cansa de reviver-se nos outros, encontra meneios para nos tocar, beijar a boca, fazer correr uma lágrima do rosto, tirar suspiros, e nos lembrar que também somos heróis e bandidos, mocinhos e vilões, luz e sombra, corajosos e covardes, leais e falsos, fieis e infiéis, honestos e desonestos, sem um caráter moralista, condenador, apenas dialético, mutante, cambiante, impermanente, incompleto... como as obras de arte.      



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