Palavra,
fala, parole, mot, não importa a língua, idioma,
forma, ela é uma das maiores invenções humanas, uma das mais belas formas de
expressão do pensamento. O pensamento não é linguagem, mas precisa dela para
expressar sua aliteração, e a palavra é um dos seus principais
mecanismos.
Os
gregos desenvolveram uma teoria semioticista para expressão da linguagem,
retomada ao longo da modernidade, durante o iluminismo, até chegar em Charles Peirce, Greimas e Sausurre
como ícones desse estudo. Kant já havia construído uma
teoria do significado explicitando como o pensamento opera a partir dos
mecanismos da linguagem.
A
Neurociência e a Física Quântica têm dado grandes contribuições
para os estudos da mente e como se dá a relação entre cérebro e linguagem, com ênfase no papel da fala,
sem olvidar, é claro, da psicanálise, cujo substrato de análise vem da linguagem expressa
nela.
A
palavra ou a falta de comunicabilidade está registrada na história. O caso talvez mais
emblemático seja o da Torre de Babel, onde,
segundo a mitologia judaica, para confundir os seus edificadores, Deus imputou
aos homens os diversos falares, confundindo-os todos, impossibilitando que a
torre alcançasse o céu.
Marco
Polo em suas viagens à China registrou maravilhado o mundo novo que se
descortinava à sua
frente. Seus diários são responsáveis pela criação do imaginário sobre o
Oriente, e a forma de uso das palavras, uma espécie de realismo mágico primevo
inventor de um mundo encantado, leia-se, diferente, distante do imaginário
europeu. Os registros sobre a arquitetura, roupas, riquezas, até os animais,
fez de sua narrativa uma literatura deslocante das condições lancinantes de uma
Europa mergulhada em conflitos de toda ordem: econômica, cultural, espiritual.
O outro era o exótico, diferente, distante.
A
literatura, pletora usuária da palavra, nos leva a lugares distantes sem nos
tirar de casa, exatamente pelo uso dela. O que dizer de Franz Kafka?
Alberto Camus, Hemingway, Dostoiévski, Gogol, Pushkin, Maiakovski, James
Joyce, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Augusto dos Anjos, Gonçalves Dias,
Érico Veríssimo, Drummond, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, e tantos e tantos escritores que
pela imensa capacidade de inventar mundos desenharam quadros mágicos em que
verossimilhança e inverossimilhança perdem um certo sentido, já que a vida é a
capacidade imaginativa de como se a idealiza, não como se vive, a vida está na literatura,
não na prática.
O
cinema, arte por excelência da imagem, usa o texto da imagem, já que
imagem é texto, para também a partir da palavra corroborar para o quadro cinético da fotografia,
quadro a quadro, frame a frame, às vezes de
palavra em palavra.
Várias películas fizeram
o uso magistral da palavra. Retomo a memória para falar de uma em especial que
sempre me vem à mente; trata-se de Um
livro de cabeçeira, do diretor Peter Greenaway. Filme poético que versa
sobre uma tradição japonesa hoje desaparecida: pintar os corpos escrevendo o
diário da vida. Isso mesmo. Havia no Japão a tradição passada de pai para filho
de escolher modelos, não necessariamente belos corpos, e sim, belas peles,
textura suave, delicada, límpida como uma tela em branco, tez de
tecido. Nela, a pele, o pai escrevia o diário da família, situações que
não precisavam necessariamente ser
eternizadas, mas visualizadas, fotografadas pela retina dos que viam o quadro
da pele coberta, um ritual, uma mística, uma fusão entre corpo e texto, palavra
e forma, já que a escrita japonesa é antes de tudo ideograma, portanto,
símbolo, forma, texto e contexto.
A
forma como a personagem desenvolve sua relação com a escrita é sinestésica, por
vezes erótica, já que o erotismo se traveste também na relação sexual, mas não
só, erotismo é desejo, eros e thanatos,
amor e morte, pulsão e finitude, recomeço e transcendência, potência e ação,
carne e verbo, deslimites do corpo.
Dos
filmes que já vi, foram poucos, considero este uma obra-prima
da palavra, uma homenagem a ela e encenação mais encarnada da palavra que se
faz vida, o verbo que virou carne. Este filme é uma boa tradução do narratário:
a palavra exige a presença de um corpo e de um pintor não para existir, já
existe em algum plano, e sim, para ser vista, desejada, lida, agraciada,
desenhada, tocada, literalmente.
Além
da literatura e do cinema, algo tão generoso, fortuito, encantado para falar da
palavra seja a música; melodia, harmonia, ritmo e texto, tudo casado, junto,
pois que a palavra é a ritmização sonora da expressão bela da alma. Quem nunca
se lembrou daquele amor vivido, talvez não correspondido, daquela paixão
intensa ao ouvir aquela música? Aquela que mais parece ter sido feito só para
gente, retratando exatamente o que sentimos, quando na verdade é a arena
da existência humana, demasiadamente humana.
UMA PALAVRA (Chico Buarque)
Palavra prima
Uma palavra só, a crua palavra
Que quer dizer
Tudo
Anterior ao entendimento, palavra
Que quer dizer
Tudo
Anterior ao entendimento, palavra
Palavra viva
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
Muda
Feita de luz mais que de vento, palavra
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
Muda
Feita de luz mais que de vento, palavra
Palavra dócil
Palavra d'agua pra qualquer moldura
Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra
Palavra d'agua pra qualquer moldura
Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra
Palavra minha
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra
Talvez à noite
Quase-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra
Quase-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra
Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento, palavra
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento, palavra
quando penso na 'palavra' penso na Linguagem com ou sem caracteres, a imagem é texto, os gestos tb, cegos, surdos, mudos tem sua própria Linguagem que está inserida em um idioma, pode ser o Português que eu falo ou o Alemao que eu tb já estou falando, mas nao domino...teu texto vai de encontro com muitas coisas que só em alemao queria dizer, pq em Português nao me faltam palavras.
ResponderExcluirminha querida. fiquei tocado com suas palavras. dizem que só se filosofa em alemão, mas tua sensibilidade ultrapassa fronteiras, barreiras e linguas. obrigado pelo post. abraços do henrique
ExcluirOlá, boom diaa! Feeliz em ter um primão assim! sou filha do seu tio Renato!
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